9 de setembro – Feltre a Treviso

11° dia de pedal (Feltre a Treviso): 85 km

E aí você está no penúltimo dia da Via Claudia e pensa: o pior já passou, os Alpes já ficaram bem para trás, agora é só moleza. Se houver algum morrinho, vai ser algo pontual, como a encosta do Monte Grappa ontem.
Se você pensar assim – como nós pensamos –, guarde bem este nome: Praderadego. É lá que a criança chora e a mãe não escuta.
Basta dizer que hoje foi, de longe, o dia mais difícil de toda a jornada. Chegamos a Treviso às oito horas da noite, dez horas depois de ter saído de Feltre, com quase 90 km rodados, exaustos, sem uma gota de água nos Camelbacks e – principalmente – sem disposição para rodar nem mais um quilômetro. Mas vamos começar o relato desse duríssimo dia desde o início.
Saindo de Feltre, só para variar perdemos a Via Claudia e fomos parar em um morro com fortes subidas (mas, pelo que observamos depois na altimetria oficial, no caminho normal também teríamos de cruzar uma montanha). Na cidadezinha de Cesiomaggiore, reencontramos a Via e seguimos sua sinalização, que estava excepcionalmente boa nesse trecho. Passamos por várias aldeiazinhas montanhesas, com construções não tão seculares quanto as do Alto Adige, mas também peculiares e charmosas.

Cidadezinhas do Vêneto.
Seguimos nesse passo até uma cidade chamada Villa de Villa. Logo que saímos de lá, percebemos que algo de muito estranho estava para acontecer: demos de cara com uma descida alucinante, incrivelmente íngreme e sinuosa, com curvas tão fechadas que pareciam de montanha-russa. Essa descida nos levou direto ao fundo mais fundo do vale – de onde, é claro, tivemos de subir tudo de novo.
Não é exagero dizer que foi uma das subidas mais duras que já enfrentei na vida. Em cicloviagens, certamente foi a mais dura. No começo até tentamos pedalar, mas logo a inclinação se tornou inviável. Daí para a frente, foram nada menos que duas horas empurrando direto. Sim, duas horas!

Empurrando...

... empurrando...

... e empurrando um pouco mais.

Passo di Praderadego: é aí que a criança chora e a mãe não escuta! São nada menos que
692 metros de ascensão em apenas 8,3 km. Duvida? Clique aqui.

Como se vê na placa, Praderago nem está tão alto assim: são apenas 910 metros acima do nível do mar. O problema é que antes de iniciar a subida se desce muito, até o fundo do vale, então a ascensão é quase total. Depois de toda subida monstruosa como essa vem, é claro, uma monstruosa descida. Embora ela fosse um alívio, não pudemos relaxar ainda, porque a inclinação era forte demais e as curvas muito fechadas. Toda hora precisávamos dar uma paradinha para descansar a mão e aliviar o freio – que esquentava pra burro e começava a fazer mais barulho que um freio de ônibus.
Enquanto descíamos, admirávamos a imponente montanha que havíamos escalado. Agora era possível vê-la por completo – e também aqueles pontinhos lááá embaixo, de onde tínhamos saído horas antes.

Horas antes nós estávamos lááá embaixo.

Na descida dá para apreciar melhor a grandiosidade da montanha.

Se você observar no mapa o roteiro "normal" de Feltre até Treviso, para ser feito por um carro, são apenas 50 km. A Via Claudia, porém, segue um verdadeiro labirinto pelos vilarejos, dando voltas e mais voltas para escapar das autoestradas. Assim, se você seguir à risca o roteiro oficial, em vez dos 50 km, rodará aproximadamente 100 km.
Até aí tudo bem, porque ninguém quer mesmo pedalar nas autoestradas europeias (que em geral nem acostamento têm) e a ideia de uma cicloviagem pela Via Claudia é justamente percorrer aldeias e cidades pequenas por tranquilas ciclovias. O problema é que depois de Follina (o ponto final da descida) a sinalização da Via Claudia torna-se péssima. Em alguns pontos, ela mais atrapalha do que ajuda, porque você começa a seguir as placas e de repente elas desaparecem, te deixando no meio do nada. Programado para chegar a Treviso, nosso GPS indicava o caminho mais curto e direto, pela autoestrada, então os momentos de divergência em relação à rota da Via Claudia – e de dúvida sobre qual caminho escolher – eram constantes.
Quando já eram mais de 17h e já tínhamos rodado mais de 60 km, vimos uma placa da Via Claudia indicando que Treviso ainda estava a 36 km. Pelo GPS, pegando diretamente a autoestrada rodaríamos 22 km até Treviso. Mortos de cansaço, resolvemos mandar a Via Cláudia às favas e seguir o GPS, mesmo que fosse pela autoestrada!
Foi um pouco tenso pedalar na pista, mas nada diferente do que já enfrentamos do Brasil. Quando estávamos quase chegando em Treviso, voltamos a avistar a sinalização da Via Claudia. Decidimos segui-la, mas mais uma vez nos ferramos, pois as placas sumiram de repente e, para não nos perdermos ainda mais, tivemos de voltar ao caminho do GPS.
Mais tarde, revendo o mapa do site oficial (www.viaclaudia.org), descobrimos por que as placas sumiram de repente: na verdade, a Via Claudia termina antes de Treviso, em uma localidade chamada Altino. Daí para a frente, quem quiser continua até Mestre (Veneza), como nós fizemos, mas já não está mais na Via Claudia.
Bem, depois da gigantesca subida do Praderadego e de todas as confusões com os caminhos, chegamos a Treviso de noite. Ficamos em um hotelzinho bem fuleiro na entrada da cidade – até porque não tínhamos ânimo para continuar rodando até encontrar outro.

Chegamos a Treviso oito horas da noite. Conselho de amigo: divida esta etapa da
Via Claudia em dois dias, em vez de fazer em um dia só como nós fizemos.

Conselho de amigo: se quiser seguir a Via Claudia de Feltre a Treviso, divida a jornada em dois dias! Fazer em um só é para deixar qualquer ciclista doido...

Hospedagem em Treviso: Hotel Tre Santi (50 euros p/ o casal – com café da manhã) – prós: fica antes do centro da cidade, então, se você chegar morto como nós chegamos, não precisa rodar até lá; contra: todos... hehe... Acho que foi o pior hotel onde ficamos durante toda a viagem. O quarto era sujo e fedorento, as bikes ficavam ao relento e o café da manhã era indescritivelmente ruim.

Um comentário:

  1. Seu relato foi o primeiro que li que não contou só coisas boas. kkkkk Eu gostaria de saber se você conhece algum site que alugue as bikes e também recolha no final da viagem. Porque quando terminar eu pretendo turistar sem as bikes, pela Itália.

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